“Retardado(a)” é uma ofensa cujo uso configura violência psicológica que atinge muito além da pessoa
- Gisele Fontes
- 12 de mar. de 2019
- 3 min de leitura
“Retardado(a)” é um adjetivo da língua portuguesa que, longe de ser empregado no sentido de qualificar a pessoa que se atrasou em uma tarefa específica, que é o sentido atribuído ao adjetivo na língua portuguesa, foi popularizado como um adjetivo para designar pejorativamente pessoas com deficiência intelectual, paralisia cerebral e sofrimento mental.
Então “retardado(a)” deixou, em definitivo, de ser empregado(a) para definir a pessoa em uma situação específica, pontual, eventual, para se tornar a definição pejorativa da condição de uma pessoa tida por alguma razão como cognitivamente menos capaz, em sua essência, em relação aos que não são tidos como “retardados(as)”.
E aí você pode se perguntar: mas, as pessoas com deficiência intelectual, paralisia cerebral ou sofrimento mental, não têm atrasos? E a resposta é sim, todos nós, com ou sem deficiência, estamos sujeitos a atrasos em nossas tarefas. Exatamente por isso que a palavra “retardado(a)” é pejorativa, porque implica na falácia de que o atraso é inerente ao sujeito e não relativo a algo externo a ele, como uma determinada tarefa que lhe foi atribuída e para a qual houve um atraso.
“Retardado(a)” existe na língua portuguesa para definir a situação de uma pessoa sempre em relação a algo que lhe é externo. A pessoa está atrasada PARA alguma coisa, em relação a algo. Usar a palavra como uma condição inerente ao sujeito a transforma em uma característica do próprio sujeito, o que por sua vez a transforma em insulto, já que o sentido desta atribuição é pejorativo.
É certo que às pessoas com deficiência é atribuído o chamado “atraso de desenvolvimento” na aquisição de habilidades, o que pode implicar em atrasos em determinadas tarefas, mas o atraso não é uma condição que lhes é inerente, como uma característica individual, de ser humano. Assim como ocorre com as pessoas sem deficiência, tais atrasos só ocorrem em relação a algum marco ou tarefa dado pela sociedade. O próprio conceito de “atraso no desenvolvimento” só existe em comparação a um padrão de desenvolvimento estabelecido artificialmente pela sociedade, já que nem todas as pessoas alcançam os marcos que compõem tal padrão ao mesmo tempo.
Assim, associar a palavra “retardado(a)” a uma pessoa como característica pessoal, significa considerar que esta pessoa, em si, contém um atraso prévio para qualquer tarefa, como se esta pessoa estivesse, em sua essência, atrasada para existir como ser humano, fosse incapaz em tudo, simplesmente por possuir uma deficiência. É puro preconceito, conceito pré concebido, capacitismo.
Nestes termos, fica evidente que o uso da palavra retardado(a), vulgarizado pelo senso comum como um uso que designa uma pessoa com deficiência, é um insulto, uma agressão, um ato de violência psicológica. Mas, mais que isso, é uma agressão para as pessoas com deficiência mesmo quando a palavra é usada contra uma pessoa sem deficiência. Pois o que se quer atribuir à pessoa sem deficiência é a condição tida como inferior, a “incapacidade cognitiva” (como se capacidade cognitiva fosse um mérito pessoal).
A polarização política que vivemos nos últimos tempos nos trouxe uma avalanche de situações em que pessoas de todas as matizes políticas e ideológicas estão usando esta ofensa capacitista para insultar o adversário. Cada vez que alguém faz isso, agride, comete violência psicológica contra toda a comunidade das pessoas com deficiência.
A cineasta norte americana Amanda Lukoff, cuja irmã Gabrielle tem síndrome de Down, explica no filme “The R-word” todas as implicações do uso da “palavra com R” para as pessoas com deficiência. Apesar do filme ainda não estar disponível ao público em uma plataforma livre, o seu trailer já é bastante esclarecedor e nos ajuda a compreender porque o uso desta palavra é uma violência psicológica.
O esclarecimento, com certeza, é o melhor caminho para o fim desta agressão contra as pessoas com deficiência.
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