A relação entre o estresse oxidativo associado à T21 e o Alzheimer
- Rogério Lima
- 23 de abr. de 2019
- 5 min de leitura
Já estão publicadas no Comuna Diversa várias postagens sobre a associação entre Síndrome de Down e Alzheimer. Hoje, avançaremos em mais um ponto, referente ao papel dos radicais livres e do estresse oxidativo nessa relação.
O metabolismo de todas as pessoas produz radicais livres constantemente, por isso, todos nós lidamos com estes radicais. Além da produção endógena (do próprio corpo), outros fatores também produzem radicais livres, como fumo, álcool, drogas, radiação, agrotóxicos, produtos químicos, patologias, fatores genéticos etc (importante frisar esse item porque a síndrome de Down contém um fator genético de produção de radicais livres, que é a triplicação de determinados genes)
Os radicais livres exercem funções fisiológicas (boas para o organismo), mas também patológicas quando causam dano celular, decorrente da oxidação por eles produzida. É esse dano celular, por sua vez, produz mais radicais livres. Portanto, os radicais livres são tanto a causa como a consequência de patologias.
O metabolismo tem um método próprio de combate aos efeitos danosos dos radicais livres, que consiste em um grupo complexo de defesa antioxidante composto de três sistemas, o sistema enzimático, o sistema não-enzimático e o mecanismo de reparo.
O sistema enzimático é composto por antioxidantes preventivos que estão envolvidos em um mecanismo de proteção contra o início das reações dos radicais livres. Entre estes antioxidantes temos: superóxido dismutase (três tipos: a que atua na célula, a sua atua na mitocôndria e a que atua nos fluidos extracelulares), catalase, glutationa (também de três tipos GPX (Se-dependente glutationa peroxidade), PHGPX (fosfolipídeo hidroxiperoxidase glutationa peroxidase) e Se-independente glutationa peroxidase (citosólica e microssomal glutationa transferase).
Já o sistema não-enzimático atua na proteção contra propagação de reações oxidativas em cadeia e é composto por lipofílico α-toco- ferol e coenzima Q reduzida (ubiquinol) e glutationa hidrofílico, ascorbato e ácido úrico. Porém, como ferro e cobre estão muito envolvidos na geração de espécies reativas temerárias, oriundas de espécies menos reativas, os elementos que impedem que ferro e cobre estejam livres em contato com as espécies menos relativas são considerados também um mecanismo antioxidante não-enzimático e são eles: ferritina, transferrina, lactoferrina, ceruloplasmina, albumina, entre outros.
E o mecanismo de reparo inclui um sistema reparador de DNA e um sistema reparador de proteínas lesadas, através da ação de três enzimas (DNA são DNA-glicosilase, DNA AP endonuclease, DNA- ligase). No entanto, seu excesso levará a um mecanismo de resposta, o suicídio celular, com extensa lesão ao DNA. Sistemas proteolíticos, que reconhecem proteínas lesadas, estão presentes tanto em citosol quanto em mitocôndria de células de mamíferos.
Quando há excesso de produção de radicais livres e/ou incapacidade da defesa antioxidante de conter os danos da oxidação, temos uma generalização do dano, chamada de estresse oxidativo. Quando ocorre estresse oxidativo é porque já há um quadro de dano mais amplo/patológico instalado, por isso, o estresse oxidativo causa patologias mas, mais frequentemente, está associado a um quadro patológico já existente. Ou seja, ele pode ser causa, mas geralmente já é também consequência.
Os radicais livres atacam a fita de DNA causando lesões e mutações. O DNA mitocondrial de células do cérebro humano, por ser mais suscetível, sofre 10 x mais lesões que o DNA nuclear, por estar próximo da cadeia de respiração mitocondrial, pelo fluxo contínuo de espécies reativas através da mitocôndria e defesa insuficiente. Neste ponto se estabelece a relação entre a formação de radicais livres e as doenças neurodegenerativas.
O dano celular é causado pela lipídeo peroxidação de ácidos graxos poliinsaturados que formam a membrana celular. A molécula de peróxido lipídeo formada perpetua a reação oxidativa. O ferro e o cobre intracelulares aceleram a decomposição desse peróxido, acelerando assim tais reações oxidativas.
"Em geral, lesão a lipídios e proteínas de membrana celular, aqui no caso neuronal, resultará em um decréscimo de fluidez membranal, na inativação de enzimas metabólicas chave como Na+K+ATPase e na intensificação da perda de potencial de membrana e homeostase iônica, como é o caso do Ca2+. Cálcio livre intracelular aumentado é mediador da estimulação de fosfolipase A2 e a subseqüente liberação de ácido araquidônico leva à intensa geração de radicais livres. Despolarização aumenta o consumo de ATP pela Na+K+ATPase, o qual aumenta a fosforilação oxidativa e intensifica a produção de superóxido (O2.-)"
A citação acima é de autoria do Dr. Weyler Galvão Pôrto, Doutor pela Escola Paulista de Medicina, em artigo na revista Neurociências. Muito embora se trate de um trecho muito técnico, o Dr. Weyler resume de forma muito simples a relação entre radicais livres, estresse oxidativo e o surgimento de patologias neurodegenerativas no Resumo de sua publicação:
“Radicais livres (RL) são toda e qualquer substância capaz de vida independente e que contém um ou mais elétrons não- emparelhados. RL são implicados como agentes causais e/ou conseqüência de atividades patológicas. Os seres humanos constantemente formam radicais livres e outras espécies reativas do oxigênio por meio de síntese deliberada e também por efeito colateral de reações químicas adversas. Eles são removidos por agentes de defesa antioxidantes enzimáticos e não-enzimáticos. Quando essas defesas são inadequadas, ocorre estresse oxidativo que pode danificar substratos orgânicos. Em menor proporção, o estresse oxidativo causa certas condições clínicas. No entanto, é mais comum que o estresse oxidativo seja uma conseqüência de patologias. Atualmente, acredita-se que determinadas patologias neurodegenerativas, em sua gênese, têm ligação direta com a atividade de radicais livres. Entre elas se encontram a doença de Alzheimer, a doença de Parkinson, a doença de Huntington, a esclerose lateral amiotrófica, a esquizofrenia, a degeneração de gânglios da base, a atrofia sistêmica múltipla e a degeneração supranuclear progressiva. O entendimento adequado sobre os radicais livres é mister para a manipulação adequada destes como possível fonte de futuros medicamentos."
A relação da síndrome de Down com a formação de radicais livres e/ou estresse oxidativo é de causa genética e se deve de forma específica e direta à triplicação do gene SOD1, localizado no cromossomo 21. Portanto, todas as pessoas que têm a triplicação da região crítica da sd do cromossomo 21 têm a triplicação e por isso superexpressão do SOD1 e por essa razão, têm uma causa genética de formação de radicais livres e estresse oxidativo.
Em outro trecho da publicação, Dr. Weyler esclarece a relação entre estresse oxidativo, síndrome de Down e neurodegeneração:
"algumas alterações clínicas observadas na síndrome podem ser devidas à alteração da atividade de SOD1. Realmente, camundongos que expressam SOD1 humano apresentam alterações em junções neuromusculares da língua, muito semelhantes àquelas observadas em pacientes com Down. Células de rato PC12 e camundongos L expressando SOD1 humano têm apresentado alterações nas propriedades neurológicas de recaptação de neurotransmissores, aumento da lípide-peroxidação e alta resistência ao paraquat. Neurônios corticais fetais de pacientes com síndrome de Down apresentam aumento de 3 a 4 vezes nas espécies reativas do oxigênio e elevado nível de lípide-peroxidação que precede a morte celular neuronal. Morte essa que pode ser prevenida com o uso de antioxidantes enzimáticos ou não-enzimáticos. A alteração na expressão do gene SOD1 pode levar ao estresse oxidativo celular neuronal"
Se os radicais livres/estresse oxidativo promovem Alzheimer e a síndrome de Down é um fator genético de formação de radicais livres/estresse oxidativo, está assim estabelecida mais uma causa de fundo genético do surgimento do Alzheimer nas pessoas com síndrome de Down.
Quando o Dr. Weyler conclui sua publicação assim: "Porém, ainda não há evidências clínicas, suficientemente fortes, de que a reposição dessa ou daquela substância controlaria tais doenças, apesar da extensa literatura sobre o tema", vemos claramente colocado o impasse em que nos encontramos - a ciência já conhece quais são as substâncias que, repostas, controlam a formação de radicais livres; há muita pesquisa sobre o tema; enquanto não houver evidências clínicas suficientemente fortes (leia-se: repetidos estudos clínicos com seres humanos, duplo cegos, randomizados, padrão ouro da medicina baseada em evidências), nada pode ser estabelecido como padrão de conduta para intervir nesse processo. Por isso não há protocolos, nem Diretrizes ou consensos, nem a título de prevenção, nem a título de tratamento.

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