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O outro lado do Prêmio Goya

  • Vivian Pereira Nunes
  • 1 de mar. de 2019
  • 3 min de leitura

Acompanhei com curiosidade as postagens dos amigos, muitos deles pais de crianças com deficiência, sobre o discurso do ator Jesús Vidal ao receber este ano o Prêmio Goya, o Oscar da Espanha. Assisti ao vídeo e é realmente lindo, emocionante. Jesús Vidal foi a primeira pessoa com deficiência a ser premiada com o Prêmio Goya de Ator Revelação. “Senhoras e senhores da academia, vocês escolheram como melhor ator revelação um ator com deficiência. Vocês não sabem o que fizeram. Me vem à cabeça três palavras: inclusão, diversidade, visibilidade. Que emoção! Muitíssimo obrigado”, disse Jesús Vidal durante a premiação.

O ator não poderia ter sido mais preciso, mais brilhante em seu discurso sobre inclusão. Além de ser a primeira vez que uma pessoa com deficiência recebia um prêmio dessa natureza, ganhando grande visibilidade, era também uma pessoa com deficiência sendo premiada por interpretar um personagem que tem a mesma condição. Em geral, até esses papéis são desempenhados por pessoas típicas. E sua atuação mereceu ser premiada, é tocante, emocionou o público.

Apesar de todos esses aspectos positivos, a premiação tem um lado negativo. Foi muito decepcionante conhecer o roteiro do filme "Campeões", do diretor Javier Fesser, que rendeu o prêmio a Jesús Vidal, além de ter levado os Goyas de Melhor Filme e de Melhor Canção. Uma pena que seja esse o tipo de oportunidade que se apresente de reconhecimento para uma pessoa com deficiência. Considerada uma comédia, a história se resume ao esforço e descobertas de um técnico de basquete (típico?) ao ser punido pela Justiça, após se envolver em um acidente de trânsito, dirigindo bêbado, a fazer serviço comunitário treinando uma equipe de basquete formada por pessoas com deficiência. O trailer é de causar ânsia de vômito em qualquer um que tenha um pouco de bom senso. Pessoas com deficiência que não sabem diferenciar direita de esquerda, que não conseguem trabalhar em equipe, que não conseguem realizar tarefas simples. Literalmente batendo cabeça. Dificuldades retratadas em tom de comédia, reforçando a visão capacitista da sociedade de que as pessoas com deficiência precisam ser salvas por uma pessoa típica, que não têm capacidade de serem adultos autônomos, responsáveis por suas próprias decisões.

É o pesadelo de qualquer pai de criança com deficiência imaginar que seu filho não terá sequer um nível mínimo de autonomia quando se tornar um adulto. Não tem a menor graça.

O roteiro do filme é tão capacitista que levou muitos a divulgarem erroneamente a informação de que Jesús tem deficiência intelectual, quando na verdade ele tem deficiência visual. Provavelmente, foi uma presunção em cima do perfil do personagem, já que todos os personagens dessa equipe de basquete pareciam ter deficiência intelectual severa. Desde que meu filho nasceu com Síndrome de Down, passei a achar bizarras situações de comédia envolvendo pessoas com deficiência. Muitos que não têm deficiência parecem achar engraçado que uma pessoa com SD queira namorar, acham engraçado que algumas tenham dificuldade em ter autonomia, acham engraçado que muitas falem mais lentamente, com pronúncia difícil de entender. Para você que achou o discurso do ator emocionante e a conquista do prêmio uma vitória, sem saber direito do que o filme trata, sugiro que assista pelo menos ao trailer para entender porque considero o roteiro capacitista. Não é necessário falar espanhol para entender as situações ridículas em que pessoas com diferentes deficiências são retratadas.

 
 
 

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