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Deixar de informar sobre a associação entre síndrome de Down e Alzheimer é inaceitável

  • Gisele Fontes e Erica Coelho
  • 30 de jan. de 2019
  • 6 min de leitura

No último sábado o “Troca com a Gi” abordou a associação entre síndrome de Down, doença de Alzheimer e o alumínio retido nas células porque o assunto dos vídeos anteriores era a ingestão de alumínio. Mas é necessário falarmos também sobre o pressuposto daquela conversa, que é a associação entre síndrome de Down e Alzheimer. Por isso, hoje vamos iniciar uma série de posts que esclarecem melhor essa relação.

É muito frequente que os profissionais de saúde não nos informem sobre o Alzheimer na T21, violando, assim, nosso direito à informação sobre o que nos afeta. O desconhecimento nos impede de fazer escolhas racionais. Não temos como decidir racionalmente com base em um conhecimento apenas parcial dos fatos, por isso, é inaceitável que esse nível de desinformação permaneça.

Hoje, além de outras relações que a ciência vem apresentando, das quais trataremos mais à frente, priorizaremos tratar sobre o que já é tido como incontestável sobre a associação direta entre a doença de Alzheimer e a síndrome de Down, que se assenta em 4 pilares: - formação de placas de proteína beta-amiloides acumuladas desde a vida intra-uterina; - formação de emaranhados neurofibrilares desde a vida intra-uterina; - inflamação; - ponto de inflexão da glicose.

Essas informações técnicas são um desafio para quem não tem familiaridade com tais assuntos, mas alguns especialistas têm se preocupado cada vez mais em traduzir as questões mais técnicas para a comunidade interessada no assunto, como por exemplo no vídeo abaixo:

que é um trecho extraído de um vídeo maior, que pode ser encontrado neste link:

O Bruno Wallace gentilmente recortou pra nós este trecho de uma entrevista concedida pelo Dr. Michael Rafii ao programa de entrevistas On Our Mind, do The Brain Channel, canal produzido pelo UCSD Departament of Neurosciences para a University of California Television. O entrevistador é o Dr. Wiliam Mobley, professor da UCSD.

Segue a transcrição do trecho da entrevista:

“* William Mobley: Saudações. Bill Mobley para a apresentação Our Mind na UCTV aqui na UCSD. Nossas sessões sobre doença de Alzheimer nos ensinaram que o diagnóstico precoce é um objetivo muito importante por fazer a diferença na vida das pessoas. O diagnóstico posterior pode muito bem ser perturbador, pela dificuldade de reverter a patologia ou preveni-la e, nesse contexto, as populações geneticamente predispostas são muito importantes para compreender a doença de Alzheimer e aprender a tratar. Uma dessas populações é a população da síndrome de Down. Comigo novamente está Mike Rafi, que é o chefe da Clínica de síndrome de Down para adultos na UCSD, no Departamento de Neurociências. Mike, seja bem vindo novamente. Conte-nos sobre o seu trabalho nesta Clínica muito interessante

* Michael Rafii: Obrigado Bill. A Clínica de síndrome de Down é na verdade uma extensão do Centro de Pesquisa e Tratamento da síndrome de Down e, essencialmente, nos permite cuidar de indivíduos com síndrome de Down que podem estar com doença de Alzheimer com início precoce. Como você mencionou, 2% de todos os casos de Alzheimer são familiares e de início precoce. Os casos restantes estão ocorrendo em pacientes com idade acima de 72 anos e têm uma progressão usual. Mas em indivíduos mais jovens ocorre um processo mais agressivo e uma deterioração mais rápida. Muitos indivíduos com síndrome de Down são altamente propensos a desenvolver a doença de Alzheimer em virtude do fato de que o gene da proteína precursora de amilóide (APP) está no cromossomo 21 e todos os indivíduos com síndrome de Down têm uma cópia extra do 21º cromossomo e, portanto, a cópia extra desse gene leva a uma sobreprodução dessa proteína. Comumente, os pacientes com idade de 12 ou 13 anos já possuem placas de proteína beta amilóides em seu cérebro. Assim, aos 40 anos, 100% dos indivíduos com síndrome de Down tem ambos, as placas e os emaranhados neurofibrilares da doença de Alzheimer. A mudança que ocorre no cérebro, uma vez que essas placas e emaranhados se acumulam, incluem déficits e produtos químicos nos neurotransmissores do cérebro, mas também o encolhimento ou atrofia das mesmas áreas do cérebro que são observadas nas formas genéticas da doença de Alzheimer, bem como da forma esporádica da doença de Alzheimer.

* William Mobley: Então, do ponto de vista genético, este tipo de doença de Alzheimer (Alzheimer familiar ou genético) é dado por um gene ou por um grupo de genes que em famílias ou em indivíduos com síndrome de Down, basicamente, faz com que a doença ocorra mais cedo e talvez de forma mais agressiva?

* Michael Rafii: Correto

* William Mobley Mas na verdade, se você for neuropatologista e olhar para as áreas afetadas, parece ser o mesmo. Em outras palavras, a doença de Alzheimer que você vê nestas populações geneticamente predispostas imita e se assemelha muito ao que acontece a aqueles de nós que não têm história familiar.

* Michael Rafii: Está exatamente correto. De fato, pesquisadores aqui da UCSD, os médicos Gleners e Wang, observaram os cérebros da população com Alzheimer quando se chamava de demência senil e eles notaram que pareciam idênticos aos problemas da síndrome de Down. E eles publicaram casos onde eles os tinham ambos os cérebros lado a lado e era impossível dizer as diferenças. Portanto, a patologia é a mesma coisa. O que parece é que, nas formas genéticas da doença de Alzheimer, existe uma sobreprodução de beta amilóide, enquanto que na forma esporádica da doença que ocorre em toda a população em uma idade mais avançada, há uma deterioração da liberação de beta amilóide no cérebro.

* William Mobley: Mike, o que aprendemos com pessoas com síndrome de Down sobre a doença de Alzheimer?

* Michael Rafii: Há muito a aprender sobre a síndrome de Down, bem como sobre a sua relação com a doença de Alzheimer. Temos muitos estudos e pesquisas em andamento agora para entender melhor a prevalência, bem como a progressão da doença de Alzheimer em pessoas com síndrome de Down. O que é muito interessante é que, embora todas as pessoas com síndrome de Down até a idade de 40 anos possam ter as placas e os emaranhados, nem todos eles mostram sinais de demência e isso é semelhante à população em geral, onde há um terço das pessoas com mais de 65 anos sem prejuízos pelo desenvolvimento de placas de proteína amilóide e emaranhados. Então, por que existe essa dicotomia entre ter as mudanças patológicas, mas não os sintomas. E estamos muito interessados ​​em entender por que isso é acontece, se há algum fator, seja genético, ambiental ou outro, que esteja afetando (positivamente) a resiliência da pessoa e lhes permite ter habilidades cognitivas apesar da presença das placas.”

Nós, do Comuna Diversa, consideramos que inicialmente deve ser ressaltado o alto nível de especialização do profissional entrevistado, no tema tratado. De fato, é um profissional que atua tanto no âmbito do atendimento clínico quanto nos âmbitos acadêmico e da pesquisa científica, o que possibilita que o mesmo esteja sempre atualizado com as novas publicações, impedindo que ocorra um delay, um vácuo, entre o que a ciência constata a cada dia sobre o assunto e a sua atuação clínica. Sabemos muito bem o prejuízo que nos causa a separação e distanciamento entre a produção científica e o consultório médico, quando existentes.

Consideramos que a entrevista nos traz uma informação muito importante sobre a doença de Alzheimer, a de que existe o Alzheimer aleatório ou esporádico, que aparece com a idade avançada e o Alzheimer familiar, de causa genética, com início precoce da demência. Mais importante ainda foi ter ficado claro que a síndrome de Down está classificada entre as situações de Alzheimer familiar, ou seja, de Alzheimer de causa genética e início precoce da demência.

Julgamos que também é importante a informação de que não há distinção entre as formas de Alzheimer do ponto de vista dos efeitos da patologia, ficando claro que a distinção diz respeito ao fato do Alzheimer familiar ser mais agressivo.

E se refletirmos sobre tudo o que foi dito, veremos que as informações não são de todo negativas. Mesmo sabendo que os adolescentes, em regra, já apresentam placas de proteína beta amiloide e que 100 % das pessoas com sd aos 40 anos já terão os dois estágios iniciais da doença de Alzheimer - placas de proteína beta amiloides acumuladas e emaranhados neurofibrilares, nos anima saber que nem todos, por alguma razão, desenvolvem a demência precoce. Estamos certa de que a ciência encontrará essa razão nos próximos anos e essa certeza nos fortalece e nos traz serenidade para o restante.

Os estudos clínicos mais recentes com pessoas com T21 têm apontado, inclusive, a demência de Alzheimer como a principal responsável pela mortalidade de adultos com T21. Uma publicação do último dia 19 de novembro de 2018, de autoria de pesquisadores do King’s College, no Reino Unido, se refere a um estudo longitudinal (de março de 2012 a setembro de 2017) realizado com 211 pessoas com T21 acima de 36 anos, em que uma porcentagem 70% dos óbitos decorreram da demência de Alzheimer. A publicação pode ser consultada aqui:

Para não violar direitos autorais, vamos traduzir apenas a conclusão da publicação: “A demência foi associada à mortalidade em 70% dos adultos idosos com SD. Portadores de APOE ε4 e / ou pessoas com múltiplas comorbidades de saúde apresentavam risco aumentado de demência e morte, destacando a necessidade de bons cuidados de saúde. Para aqueles que morreram sem diagnóstico de demência, a epilepsia de início tardio foi o único fator significativo associado à morte, levantando questões sobre casos de demência potencialmente não diagnosticados nesse grupo.”

O primeiro passo é saber que esta realidade existe, conhecê-la em detalhes. E saber também que hoje, já há propostas de intervenção que podem contribuir para evitar este prognóstico. As veremos em detalhes também, ao final da série de posts sobre a associação entre T21 e Alzheimer.

 
 
 

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