Aproveitando que Jesus era um refugiado, hoje, no seu aniversário, vamos falar sobre o Pacto Global
- Gisele Fontes
- 25 de dez. de 2018
- 8 min de leitura

Neste mês de dezembro, 168 países firmaram o Pacto Global para Migração proposto pela ONU. Muito embora não seja um tratado vinculativo, o Pacto estabelece princípios para a migração segura e fundamenta-se em valores de soberania do Estado, compartilhamento de responsabilidade e não-discriminação de direitos humanos através da cooperação dos Estados signatários. O documento, formalmente denominado de Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular tem por objetivo tornar as migrações mais seguras e dignas para todos, quer sejam migrantes regulares, migrantes irregulares ou refugiados, em razão do reconhecimento de que todo ser humano tem direito à segurança, dignidade e proteção. Segundo a ONU, os migrantes regulares representam a esmagadora maioria dos casos e são pessoas que entram ou permanecem em um país no qual não são nacionais por meio de canais legais, e cuja posição naquele país é obviamente conhecida pelo governo e em conformidade com todas as leis e regulamentos. Já os irregulares, são pessoas que não obedecem aos requisitos legais para permanecer naquele país. E os refugiados são pessoas forçadas a sair de seus países, por perseguição, guerra ou violência. Em um contexto em que todos, mesmo os migrantes regulares, estão em uma situação de vulnerabilidade, as pessoas com deficiência estão ainda mais vulnerabilizadas, o que torna o Pacto Global para Migração uma importante ferramenta de defesa da segurança e dignidade das pessoas com deficiência que por qualquer razão se encontrem fora de sua nação. O Pacto garante o compromisso dos países signatários em criar procedimentos formais para identificar migrantes e refugiados com deficiência, fornecendo-lhes proteção e serviços essenciais, como abrigo e atendimento médico acessível e adequado às suas especificidades. Antes do Pacto, inexistiam protocolos para atendimento aos migrantes e refugidos com deficiência. Atendendo a uma declaração conjunta dos comitês de Trabalhadores Migrantes e o dos Direitos das Pessoas com Deficiência, sobre a abordagem da deficiência em movimentos de grande escala de refugiados e migrantes (leia a declaração original aqui e a tradução para o português contida ao final de post), o Pacto estabelece um protocolo mínimo de proteção através de 23 Objetivos: Objetivos para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (1) Coletar e utilizar dados precisos e desagregados como base para políticas baseadas em evidências; (2) Minimizar os fatores adversos e fatores estruturais que obrigam as pessoas a deixar seu país de origem; (3) Fornecer informações precisas e oportunas em todos os estágios da migração; (4) Assegurar que todos os migrantes tenham prova de identidade legal e documentação adequada; (5) Aumentar a disponibilidade e a flexibilidade dos caminhos para a migração regular; (6) Facilitar o recrutamento justo e ético e salvaguardar condições que garantam um trabalho decente; (7) Abordar e reduzir vulnerabilidades na migração; (8) Salvar vidas e estabelecer esforços internacionais coordenados em migrantes ausentes; (9) Reforçar a resposta transnacional ao contrabando de migrantes; (10) Prevenir, combater e erradicar o tráfico de pessoas no contexto da migração internacional; (11) Gerenciar as fronteiras de forma integrada, segura e coordenada; (12) Fortalecer a certeza e a previsibilidade nos procedimentos de migração para triagem, avaliação e encaminhamento adequados; (13) Usar a detenção de migração apenas como uma medida de último recurso e trabalhar para alternativas; (14) Reforçar a proteção, assistência e cooperação consulares ao longo de todo o ciclo de migração; (15) Fornecer acesso a serviços básicos para migrantes; (16) Capacitar os migrantes e as sociedades para a plena inclusão e coesão social; (17) Eliminar todas as formas de discriminação e promover o discurso público baseado em evidências para moldar as percepções da migração; (18) Investir no desenvolvimento de competências e facilitar o reconhecimento mútuo de competências, qualificações e competências; (19) Criar condições para que os migrantes e as diásporas contribuam plenamente para o desenvolvimento sustentável em todos os países; (20) Promover uma transferência de remessas mais rápida, segura e mais barata e promover a inclusão financeira dos migrantes; (21) Cooperar para facilitar o regresso ea readmissão seguros e dignos, bem como a reintegração sustentável; (22) Estabelecer mecanismos para a portabilidade dos direitos à segurança social e dos benefícios obtidos e (23) Fortalecer a cooperação internacional e parcerias globais para uma migração segura, ordeira e regular. O Brasil foi um dos 168 Estados signatários do Pacto. Porém, o governo eleito tem anunciado a intenção de se retirar do mesmo. A solidariedade às pessoas com deficiência em situação regular ou irregular de migração e aos refugiados com deficiência, impõe a nós o dever moral de nos posicionarmos contra a retirada do Brasil deste importante acordo internacional. Se, por um lado, estamos tratando de milhares de pessoas que chegam ao Brasil todos os dias, por outro estamos falando de milhares de cidadãos brasileiros espalhados pelo mundo, a quem exigimos que sejam garantidos a segurança e o tratamento digno e adequado. Eis um trecho da Declaração Conjunta dos Comitês, que fundamentou o tratamento dado à pessoa com deficiência no texto final do Pacto Global para Migração: “A identificação de pessoas com deficiência é o primeiro passo para assegurar que elas possam se beneficiar das proteções específicas que lhes são concedidas de acordo com as obrigações internacionais dos tratados de direitos humanos dos Estados envolvidos. Os Estados devem assegurar que procedimentos formais e legalmente definidos sejam implementados para assegurar a acessibilidade para pessoas com deficiência, incluindo mulheres e crianças com deficiência e pessoas com deficiências psicossociais e intelectuais, em centros de recepção e detenção. Os Estados devem assegurar que o aconselhamento psicossocial e legal, o apoio e a reabilitação sejam fornecidos para pessoas com deficiências, e que os serviços de proteção sejam sensíveis à idade, sexo e deficiência. As obrigações dos Estados em relação à liberdade contra a exploração, violência e abuso de pessoas com deficiência devem orientar programas de resposta dirigidos às vítimas de tortura e outras formas de violência, incluindo violência de base sexual. Os Estados devem também assegurar que as condições de acolhimento proporcionem um nível de vida adequado a todos os migrantes e refugiados, que proteja o seu bem-estar físico e mental e que a situação das pessoas vulneráveis seja devidamente considerada. Finalmente, o acesso a serviços de apoio, incluindo serviços sociais e de saúde, para migrantes e refugiados com deficiências é muitas vezes inadequado ou limitado aos cuidados de emergência. Muito mais deve ser feito para garantir que as pessoas com deficiência recebam serviços de apoio adequados, incluindo atendimento psicossocial. Apelamos aos Estados Membros para que realizem os direitos dos migrantes e refugiados com deficiências, de acordo com as suas obrigações internacionais de direitos humanos. A implementação dessas obrigações legais deve ser integrada à operacionalização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que reconhece a importância de empoderar as pessoas em situações vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, refugiados e trabalhadores migrantes.” Essa, portanto, é apenas mais uma luta de todos nós.
Descrição da Imagem: Em um cenário de devastação, chão escuro em que se vê alguns ossos de pequenos animais e pedregulhos, há um homem e uma mulher com um bebê no colo, um idoso, uma adolescente com um bebê no colo e quatro crianças na imagem. O fundo da tela é marrom no chão e no horizonte há tons que de degradê de azul, que vão do branco no solo ao azul marinho no céu. Há muitas aves pretas no céu. Todas as pessoas estão maltrapilhas, representadas em uma variação de branco, marrom e preto. O idoso de barba segura um cajado e está à esquerda. À frente do idoso a adolescente com o bebê no colo. À direita do idoso a mulher tem uma trouxa de tecido sobre a cabeça e à sua direita o homem, de chapéu , leva uma trouxa presa a um cajado sobre os ombros. Três crianças estão segurando ou encostadas no homem, em seus braço esquerdo e perna direita.
Tradução da declaração conjunta dos Comitês:
Abordar as deficiências em movimentos de grande escala de refugiados e migrantes Declaração Conjunta do Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (CMW), e o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) Com base na Declaração de Nova York, na qual os Estados reconhecem e concordam em atender às necessidades especiais de todas as pessoas em situação vulnerável que estão viajando em grandes movimentos de refugiados e migrantes, incluindo pessoas com deficiência, o Comitê para a Proteção dos Direitos de Todos os Migrantes, Trabalhadores e Membros de suas Famílias (CMW) e o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) conclamam os Estados a garantir que as negociações intergovernamentais levem a uma conferência internacional e à adoção de um pacto global para uma migração segura, ordeira e regular em 2018, alinhada e que reflita a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (ICRMW), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) e os demais instrumentos internacionais de direitos humanos. As pessoas com deficiência compõem uma minoria significativa de migrantes e refugiados, mas há pouca informação disponível sobre a sua situação. Sem dados sobre seus requisitos específicos, os Estados não podem cumprir seu dever legal de garantir proteção e segurança efetivas em situações de risco e de fornecer serviços que atendam a suas demandas específicas. Os Comitês também estão preocupados com a falta de procedimentos formais em muitos Estados para identificar migrantes e refugiados com deficiências. Esta questão é particularmente relevante, ja que os migrantes com deficiências hesitam em divulgar suas deficiências às autoridades por medo de afetar seus pedidos de asilo. Dado o elevado número de chegadas e recursos limitados em certos países, os Comitês estão também preocupados com o fato dos serviços serem muitas vezes inacessíveis aos migrantes e refugiados com deficiências. Os grandes movimentos de migrantes e refugiados se devem a várias causas, muitas das quais são traumáticas para esses indivíduos. Diante desse cenário, evidências anedóticas sugerem que problemas de saúde mental e transtorno de estresse pós-traumático são predominantes. Para as mulheres, as questões de saúde mental estão frequentemente ligadas a experiências de violência sexual e de gênero. Reconhecendo tais conseqüências na saúde física e mental, os Estados deveriam proporcionar acesso para pessoas com deficiência, incluindo migrantes e refugiados com deficiência, a todos os serviços de apoio necessários, em igualdade de condições com os demais cidadãos. No contexto da migração, a identificação e o apoio a pessoas com deficiência também dependem fortemente de profissionais devidamente treinados. Contudo, as pessoas com deficiência enfrentam exclusão e discriminação devido à falta de acessibilidade, inclusive em relação à assistência humanitária, e negação de acomodação razoável. Isso é exacerbado pelo fato de que os migrantes com deficiências, como já dito, muitas vezes hesitam em revelar suas deficiências às autoridades, por medo de afetar seus pedidos de asilo. Além disso, moradia e outros tipos de apoio para migrantes e refugiados são inadequados. Ambos os comitês estão profundamente preocupados com a situação precária das pessoas com deficiência na atual crise migratória. Os Estados não forneceram abrigo e apoio adequados, incluindo informações adequadas em formatos acessíveis e acomodações razoáveis. A identificação de pessoas com deficiência é o primeiro passo para assegurar que elas possam se beneficiar das proteções específicas que lhes são concedidas de acordo com as obrigações internacionais dos tratados de direitos humanos dos Estados envolvidos. Os Estados devem assegurar que procedimentos formais e legalmente definidos sejam implementados para assegurar a acessibilidade para pessoas com deficiência, incluindo mulheres e crianças com deficiência e pessoas com deficiências psicossociais e intelectuais, em centros de recepção e detenção. Os Estados devem assegurar que o aconselhamento psicossocial e legal, o apoio e a reabilitação sejam fornecidos para pessoas com deficiências, e que os serviços de proteção sejam sensíveis à idade, sexo e deficiência. As obrigações dos Estados em relação à liberdade contra a exploração, violência e abuso de pessoas com deficiência devem orientar programas de resposta dirigidos às vítimas de tortura e outras formas de violência, incluindo violência de base sexual. Os Estados devem também assegurar que as condições de acolhimento proporcionem um nível de vida adequado a todos os migrantes e refugiados, que proteja o seu bem-estar físico e mental e que a situação das pessoas vulneráveis seja devidamente considerada. Finalmente, o acesso a serviços de apoio, incluindo serviços sociais e de saúde, para migrantes e refugiados com deficiências é muitas vezes inadequado ou limitado aos cuidados de emergência. Muito mais deve ser feito para garantir que as pessoas com deficiência recebam serviços de apoio adequados, incluindo atendimento psicossocial. Apelamos aos Estados Membros para que realizem os direitos dos migrantes e refugiados com deficiências, de acordo com as suas obrigações internacionais de direitos humanos. A implementação dessas obrigações legais deve ser integrada à operacionalização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que reconhece a importância de empoderar as pessoas em situações vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, refugiados e trabalhadores migrantes.
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