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“A indiferença também gera barbárie”. Como funcionavam os manicômios no Brasil e porque precisamos a

  • vinnycobain
  • 18 de fev. de 2019
  • 6 min de leitura

Pacientes aglomerados em uma sala do antigo manicômio em Barbacena.

Em 1961, a convite do governador Magalhães Pinto, o fotógrafo Luis Alfredo e o jornalista José Franco estiveram no Hospital Colônia, em Barbacena, com o objetivo de redigir uma matéria sobre o local para a revista Cruzeiro. Em 1979 o fotógrafo Napoleão Xavier documenta em fotografias o horror do cotidiano na Colônia. Em 2011, a jornalista Daniela Arbex se deparou com essas imagens e, impactada, resolveu pesquisar sobre o assunto, para uma série de reportagens para o jornal Tribuna de Minas, pelas quais venceu o Prêmio Esso de 2012. As fotos de Napoleão Xavier estão reunidas nesse álbum de fotos no Facebook. As reportagens para a Tribuna de Minas podem ser lidas nesses links: 1, 2 e 3 Em 2013, a série de reportagens se tornou o livro “O Holocausto Brasileiro”, vencedor do segundo lugar do Prêmio Jabuti do mesmo ano na categoria livro-reportagem. Em entrevista ao Portal Vice, em 2013, Daniela faz um resumo da história do Hospital Colônia. É nesta entrevista que Daniela nos diz a frase título desta postagem - “a indiferença também gera barbárie”. “Segundo a investigação de Daniela, em 1961, o Colônia tinha cinco mil “pacientes”. Fundada em 1903, com capacidade para 200 leitos, começou a inchar em 1930 e atingiu o status de maior hospício do país durante a ditadura militar de Getúlio Vargas. Àquela altura, a clínica e a medicina não eram preocupações para a administração do hospital.

Para o Colônia, eram enviadas “pessoas não agradáveis” como adversários políticos, putas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos e todo tipo de párias sociais.

Esses “pacientes” chegavam lá de trem, vindos de todos os cantos do Brasil, espremidos no último vagão da composição. Essa prática era tão costumeira que o “trem de loucos” virou até um dito popular mineiro. É praticamente impossível não fazer o paralelo com a logística nazista dos campos de concentração. “Pelo menos 60 mil pessoas morreram entre os muros da Colônia. Em sua maioria, internadas à força. Cerca de 70% não tinha diagnóstico de doença mental. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia. Ao morrer, davam lucro, pois seus corpos eram vendidos às faculdades de medicina. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos foram decompostos em ácido, no pátio da Colônia, diante dos pacientes, e suas ossadas eram comercializadas”, investigou Daniela. O lançamento do livro foi acompanhado de um book trailer, que você pode assistir aqui: Leia a matéria completa do Portal Vice sobre o livro, aqui. Em 2016 foi lançado o documentário sobre o livro, que recebeu o mesmo nome. Em entrevista também para o Portal Vice, em 2016, Daniela Arbex conta um pouco sobre o lançamento do documentário, onde retoma algumas questões sobre o Hospital Colônia: "É um hospital que foi criado em 1903 pelo Governo de Minas para atender pessoas que sofriam de doenças nervosas e mentais, que tinha uma ótima intenção de tratar estas pessoas, mas registros que eu encontrei no Arquivo Público Mineiro me mostraram que, desde 1914, já havia superlotação. Tem um documento, de 1911, que uma brasileira chamada Maria de Jesus, de 23 anos, foi internada lá porque ela tinha tristeza como sintoma, o que confirma a falta de critério médico para internação. Logo, foi um hospital criado para atender uma cultura da época, um tipo de doença que ainda era muito desconhecido, mas as coisas começaram a degringolar e ele se tornou um grande depósito.” Veja o documentário completo no Canal do Comuna Diversa no YouTube, aqui. As imagens capturadas por Napoleão Xavier marcam o período em que a reação contra este modelo de institucionalização começa a se organizar. Humberto Tozze, dramaturgo paulista, resumiu a história da luta antimanicomial, a reforma psiquiátrica posterior e o que temos hoje como política pública: “No fim da década de 70, muitos movimentos ligados à saúde denunciaram abusos cometidos em instituições psiquiátricas, além da precarização das condições de trabalho, reflexo do caráter autoritário do governo no interior de tais instituições. A partir daí, surgiram movimentos de trabalhadores de saúde mental, que colocaram em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil. O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) – que contou com a participação popular, inclusive de familiares de pacientes – e o Movimento Sanitário foram dois dos maiores responsáveis por essa iniciativa. Em 18 de Maio em 1987, foi realizado um encontro de grupos favoráveis a políticas antimanicomiais. Nesse encontro, surgiu a proposta de reformar o sistema psiquiátrico brasileiro. Pela relevância daquele encontro, a data de 18 de maio tornou-se o dia de Luta Antimanicomial.

Com o intuito de acabar com os manicômios, o projeto de reforma psiquiátrica no Brasil visava substituir, aos poucos, o tratamento dado até então por serviços comunitários.

O paciente seria encorajado a um exercício maior de cidadania, fortalecendo seus vínculos familiares e sociais, e nunca sendo isolado destes. A partir da reforma, o Estado não poderia construir e nem mesmo contratar serviços de hospitais psiquiátricos. Em substituição às internações, os pacientes teriam acesso a atendimentos psicológicos, atividades alternativas de lazer, e tratamentos menos invasivos do que aqueles que eram dados. A família, aqui, teria papel fundamental na recuperação do paciente, sendo a principal responsável por ele. O Movimento de Luta Antimanicomial consistiu em um diálogo de conscientização com as instituições legais e com os cidadãos ao elaborar o discurso de que os portadores de transtornos mentais não representam ameaça ou risco ao círculo social. Ao contrário, este seria um grande componente para sua recuperação. Por outro lado, seria necessário uma reeducação no modo de compreender os transtornos mentais, não como um estigma, mas um modo alternativo de ver e estar no mundo. O respeito e a conscientização seriam armas necessárias para reformular o modo como os pacientes eram tratados até aquele momento, dentro e fora de instituições responsáveis pelo tratamento. É importante ressaltar que a reforma psiquiátrica teve início nos anos 80 e ainda hoje não foi completada. A luta pela reforma e a garantia de que a nova legislação (mais abaixo falamos dela) seja aplicada ainda é uma questão a ser discutida e constantemente relembrada, uma vez que ainda existem muitos hospitais psiquiátricos no Brasil, acumulando relatos de abusos, e inúmeros casos de mortes por negligência. Entre os anos de 2006 e 2009 foram notificadas 233 mortes em lugares como esse apenas em Sorocaba (SP). 102 delas ocorreram no Hospital Vera Cruz, cujo fechamento está previsto para o fim de 2016.

Na década de 90, novas soluções foram aplicadas para a saúde mental. Aos poucos, o Ministério da Saúde substituiu o tratamento em hospitais por atendimentos comunitários. Através das Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/90, foi instituída a rede de atenção à saúde mental, junto com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde). As leis atribuíram ao Estado a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, possibilitando a livre circulação dos pacientes e não mais a internação e o isolamento, contando com os serviços de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). Os CAPS, que foram criados em 1992, são serviços públicos oferecidos em unidades regionais, que oferecem tratamentos intensivos, semi-intensivos e não intensivos. No tratamento intensivo, são oferecidos atendimentos diários com objetivo de reinserir o paciente na sociedade. Havendo necessidade de internação, é o próprio CAPS que encaminha o paciente para leitos de saúde mental em hospitais que oferecem internação de curto prazo. Esses serviços de internação fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que têm como função substituir a internação em asilos, priorizando um tratamento que visa a autonomia do paciente e o respeito à cidadania.

Fruto do movimento pelo fim das internações compulsórias, o CAPS tem como ferramentas o atendimento individualizado, com rodas de conversa, oficinas artísticas e o tratamento terapêutico individual e em grupo. Busca-se oferecer um tratamento ambulatorial mais humanizado, no lugar de hospitais psiquiátricos e longas internações. A Lei Paulo Delgado faz parte da Reforma iniciada na década de 70. Ela foi promulgada apenas em 2001, com o intuito de garantir os direitos de pacientes portadores de transtornos mentais a receberem atendimentos menos invasivos e priorizando o tratamento através da reinserção na família, no trabalho e na comunidade. Os pacientes passam a ter direito a informações a respeito de sua condição e sobre os tratamentos possíveis, além de estar protegidos contra qualquer abuso e exploração. A lei também impede que sejam feitas internações compulsórias, ou seja, feitas sem o consentimento do paciente ou de terceiros (familiares e responsáveis). Estas devem feitas apenas após laudo médico, em casos de extrema urgência, quando o paciente é tido como uma ameaça para si e para terceiros. Nesses casos, o médico é obrigado a notificar o Ministério Público sobre a internação e depois sobre a alta do paciente. A reforma psiquiátrica tem como objetivo dar voz ao paciente no que concerne aos seus interesses e o tratamento que pode ser mais adequado para ele. Todo diagnóstico e terapia devem depender de seu consentimento ou de sua família. O paciente deixaria então de ser um objeto, para se tornar protagonista da busca pelo seu próprio bem estar. No entanto, ainda existem em torno de 160 hospitais psiquiátricos no Brasil, com mais de 20.000 leitos. E não há previsão para serem fechados.” No próximo post, vamos falar sobre as questões que estão colocadas para a atualidade, assim como a proposta do atual governo de reforma psiquiátrica.

 
 
 

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