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Há sete anos a medicina brasileira sabe (ou deveria saber) que os recém-nascidos com síndrome de Dow

  • Gisele Fontes e Rogério Lima
  • 26 de dez. de 2018
  • 6 min de leitura

Samuli Karala para o Radical Beauty Project. Modelo com Síndrome de Down, com as mãos, pálpebras e lábios pintados de diversas cores.

Desde o ano de 2008, o grupo de pesquisadores da USP que compõe o projeto “Autoimunidade na criança: investigação das bases moleculares e celulares da autoimunidade de início precoce” (nº 2008/58238-4. Modalidade Projeto Temático; Coordenadora Magda Carneiro Sampaio – FMUSP; Investimento R$ 1.470.770,68 - FAPESP) investiga as origens das doenças autoimunes em grupos onde a sua ocorrência possui uma frequência aumentada. Um desses grupos é o de pessoas com síndrome de Down.

Em 2011, esta esquipe publicou os primeiros resultados de suas pesquisas no The Journal of Immunology (v. 187 (6), p. 3.422-30. 15 set. 2011).

Portanto, desde setembro de 2011, a partir dessa importante publicação, toda a comunidade médica tomou conhecimento (ou deveria ter tomado) das conclusões sobre a imunodeficiência congênita associada à síndrome de Down.

Em janeiro de 2012, a Revista de Pesquisa da FAPESP publicou uma matéria sobre tais resultados, o que contribuiu bastante para que o público leigo compreendesse a seriedade, gravidade e relevância das conclusões desta pesquisa.

O texto da matéria da Revista de Pesquisa da FAPESP desvenda para nós todos os pontos relevantes, que deveriam ser de conhecimento de todas as famílias que recebem um bebê com síndrome de Down e de todas as pessoas com síndrome de Down também.

Diz o texto: “Começa-se a conhecer melhor a razão por que as pessoas com síndrome de Down, que atinge uma em cada 700 crianças, são mais suscetíveis a desenvolver doenças autoimunes do que o restante da população. Nelas, um sofisticado mecanismo que ensina as células de defesa a reconhecer e combater o que é estranho ao organismo encontra-se desregulado, mostraram pesquisadores brasileiros em um estudo publicado em setembro no Journal of Immunology. A consequência desse desequilíbrio é que as células que deveriam proteger o corpo passam a atacá-lo, levando ao desenvolvimento de enfermidades autoimunes como o diabetes tipo 1, o hipotireoidismo ou a doença celíaca. A pediatra Magda Carneiro-Sampaio e sua equipe no Instituto da Criança (ICr) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) verificaram que algo não andava bem com o amadurecimento das células de defesa das crianças com síndrome de Down quando puderam comparar a atividade do timo delas com a do timo de crianças sem o problema. Órgão pequeno e achatado em forma de borboleta, o timo se situa no tórax, atrás do osso esterno e à frente do coração, e funciona como uma escola de treinamento de guerra. É ali que um grupo especial de células de defesa – os linfócitos T, responsáveis por orquestrar o combate a infecções e a eliminação de células doentes – aprende a distinguir o que integra o próprio corpo e deve ser preservado daquilo que vem de um organismo estranho e deve ser exterminado. Quando o timo funciona bem, os linfócitos que passam por esse treinamento e se mostram capazes de reconhecer e atacar as células do próprio organismo são destruídos ali mesmo – a morte é o destino de 95% a 97% dos linfócitos T. Só saem do timo para a circulação sanguínea e a linfática os 3% a 5% restantes dos linfócitos, que demonstram ter a habilidade de identificar e atacar apenas os agentes infecciosos, os compostos estranhos ao corpo ou as células defeituosas. Na síndrome de Down, porém, esse rigoroso sistema de preparo e seleção celular encontra-se desbalanceado.”

E a primeira pergunta que nos vêm à mente é se esta situação é universal, se acontece com todas as pessoas com síndrome de Down. E pela leitura do restante do texto descobrimos que sim, que se trata do que a medicina chama de imunodeficiência primária (congênita), por razões genéticas. Ou seja, se a pessoa tem a trissomia do cromossomo 21, possui a imunodeficiência dela decorrente.

Eis mais um trecho do texto: “Desde muito cedo na vida, boa parte das pessoas com Down apresenta problemas autoimunes desencadeados pelo ataque das células de defesa a órgãos específicos. O risco de desenvolver hipotireoidismo, diabetes tipo 1 ou doença celíaca é respectivamente 4 vezes, 6 vezes e de 10 a 40 vezes maior entre as crianças com síndrome de Down do que no restante da população. Há quase três décadas também se sabe que o timo dessas crianças é menor do que o daquelas sem a anomalia cromossômica.

Ante os resultados de agora, Magda e sua equipe propõem uma reinterpretação da origem dos problemas autoimunes frequentes na síndrome de Down. “As enfermidades autoimunes que essas crianças apresentam são decorrentes de uma imunodeficiência primária, e não secundária como se classifica atualmente.

O que essa reavaliação significa? Em primeiro lugar, que a causa das doenças autoimunes nas pessoas com Down é diferente do que se pensava. “A origem do mau funcionamento do sistema de defesa delas é genética e aparece durante a formação do embrião”, conta Magda. Até então, a explicação mais aceita pelos especialistas era que esses problemas autoimunes decorriam da degeneração do timo causada pelo envelhecimento precoce. Em segundo lugar, que essas crianças podem não estar recebendo medicação adequada.”, afirma.”

Os pesquisadores constataram uma situação que muda a classificação que se tinha até então, sobre a imunodeficiência associada à síndrome de Down. Não se trata de imunodeficiência secundária, mas de primária (congênita), diz a Drª. Magda Carneiro Sampaio e sua equipe. Se trata de uma mudança de paradigma.

Portanto, se é primária, se o paradigma sobre a situação imunológica das pessoas com síndrome de Down foi alterado, é imperioso então que o protocolo de investigação da condição imunológica de cada pessoa com síndrome de Down também o seja, mas esta mudança não ocorreu até hoje, com impacto indiscutível na qualidade de vida de milhares de pessoas.

E nesse ponto somos acometidos da segunda questão - é possível realizar uma investigação prévia, que permita um suporte adequado de acordo com a condição de cada indivíduo? E a Drª Magda Carneiro Sampaio esclarece que sim:

“Nos últimos anos alguns estados norte-americanos incluíram na triagem neonatal – o teste do pezinho – um exame que mede o número de linfócitos recém-liberados pelo timo, que funcionam como indicador no sangue da atividade do órgão. Mas o teste genético ainda é caro para ser adotado pelo sistema público de países como o Brasil – seriam necessários a cada ano US$ 2,4 milhões para aplicar o teste às 600 mil crianças que nascem no estado de São Paulo. Por esse motivo, o grupo da USP pensa em aproveitar a ultrassonografia do feto, feita durante a gestação, para avaliar o tamanho do timo. “Esse seria apenas um item a mais a ser verificado durante a avaliação de anomalias fetais por ultrassom”, diz Luiz Antonio Nunes de Oliveira, chefe do Serviço de Radiologia do ICr.

Como o timo é proporcionalmente grande no feto, é possível identificá-lo por meio desse exame de imagem. “Os casos em que o timo for menor que o normal ou não estiver visível seriam considerados suspeitos e os médicos poderiam solicitar um leucograma logo após o nascimento”, explica Oliveira. A obstetra Roseli Nomura, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da FMUSP, trabalha agora para descobrir as melhores condições técnicas para avaliar o timo por ultrassom no último exame pré-natal, sem aumentar muito a duração e o preço do exame.

Identificar mais cedo a atividade anormal do timo é importante para a sobrevivência do recém-nascido. As crianças com imunodeficiências graves, por exemplo, não devem receber a vacina BCG, aplicada logo após o nascimento. Essa vacina antituberculose é produzida com bacilos vivos, que podem causar uma infecção grave – e até fatal – nesses bebês. “Quanto antes se fizer o diagnóstico, mais cedo se pode programar a imunização mais adequada para a criança”, afirma a pediatra Cristina Jacob, chefe da Unidade de Alergia e Imunologia do ICr. Nos casos de imunodeficiência combinada grave, o diagnóstico precoce permite o encaminhamento rápido da criança para o transplante de células hematopoiéticas, a única opção terapêutica possível por ora.”

Se as consequências são tão sérias desde o nascimento, a ponto de se recomendar que as crianças com uma fragilidade maior do sistema imunológico não recebam a vacina BCG, por que nenhuma providência a nível nacional foi tomada até hoje, sete anos depois?

Se a Drª Magda Carneiro Sampaio informa que o rastreio pelo teste do pezinho é caro para o nosso sistema público de saúde, para todas as crianças, por que não se discute estabelecer esse rastreio ao menos para os grupos em que já se sabe que há uma condição genética como pano de fundo para essa imunodeficiência, como as pessoas com síndrome de Di George citadas no texto e as pessoas com síndrome de Down, que são em menor número e não onerariam de tal forma os cofres públicos?

Ou mesmo o ultrassom e o leucograma a que o Dr António Nunes de Oliveira fez referência?

Não seria o caso de todos os bebês nascidos com síndrome de Down serem submetidos a um simples leucograma?

E para as pessoas já nascidas? Por que a investigação e o mapeamento das condições do sistema imunológico ainda não constam do protocolo médico de cuidados básicos com a pessoa com síndrome de Down?

O que está em jogo é a vida, a qualidade de vida, de milhares de cidadãos brasileiros. É urgente que as autoridades competentes tomem as providências necessárias no sentido de atualizar imediatamente as diretrizes e protocolos de atendimento das pessoas com síndrome de Down para neles fazer constar a investigação do sistema imunológico. Enquanto isso não acontece, cada pessoa com síndrome de Down ou suas famílias, quando crianças, deve exigi-la dos profissionais de saúde.

Descrição da Imagem: Samuli Karala para o Radical Beauty Project. Modelo com síndrome de Down, com as mãos, pálpebras e lábios pintados de diversas cores.

 
 
 

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