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A mais recente atualização sobre a relação entre demência de Alzheimer e T21.

  • Rogério Lima
  • 25 de fev. de 2019
  • 5 min de leitura

A revista Nature, uma das revistas científicas mais respeitadas no mundo, publicou no último dia 07/02/2019 uma revisão da literatura científica que trata especificamente da demência na pessoa com Síndrome de Down. Nela estão presentes as principais publicações da comunidade científica sobre a demência ligada ao Alzheimer em pessoas com SD. Apresentaremos alguns dos principais pontos da revisão, pontos estes que vêm sendo tratados em outras postagens do Comuna Diversa sobre o tema.

O gene da Proteína Precursor Amiloide (APP - Amyloid Precursor Protein) está presente no cromossomo 21, portanto, pessoas com trissomia do cromossomo 21 apresentam 3 cópias deste gene. Está consolidado na pesquisa científica que o número maior de genes APP promove o aumento da sua produção em pessoas com SD. A APP gera, em seu processo natural de degradação, a proteína Beta amiloide que em sua forma insolúvel é tóxica para o cérebro provocando a morte neuronal, destruindo o citoesqueleto neuronal, além de causar perdas sinápticas.

Em concomitância, as proteínas beta amiloides possuem tendência natural de auto associação, formando as placas amiloides cerebrais, uma das principais causas da evolução da demência do Alzheimer. Pessoas sem SD com Alzheimer também apresentam estas placas, mas em geral elas evoluem tardiamente, enquanto em pessoas com SD tais placas já foram identificadas na primeira infância. É importante informar que a presença de placas amiloides não caracteriza diretamente a demência do Alzheimer, mas o acúmulo destas no cérebro provoca grande inflamação e destruição neuronal o que finda na demência propriamente dita.

As pesquisas apontam que as proteínas beta amiloides são solúveis até os 40 anos de idade e depois ocorre uma acumulação exponencial da formação de placas, acelerando a evolução da doença após esta idade.

A prevalência de Alzheimer em pessoas com SD ainda não está muito bem estabelecida, principalmente porque os dados obtidos têm como fonte os relatórios sobre pessoas institucionalizadas, infelizmente. Portanto, não é possível ter clareza do quanto se tratava de Alzheimer ou do declínio cognitivo natural do envelhecimento e da singularidade inerente à pessoa com SD. Porém, todas as pesquisas apontam que a taxa de demência do Alzheimer em pessoas com SD acima dos 50 anos é maior que 60%.

A capacidade de detoxificação da proteína beta amiloide foi destacada como um fator muito importante. Evidências apontam que as pessoas que possuem o alelo APOE*ℇ4 têm menor poder de degradar a proteína beta amiloide. Assim, pessoas com SD que possuam os dois alelos nesta apresentação, possuem maior acúmulo de proteína beta amiloide e maior risco de desenvolver Alzheimer precoce.

A especificidade hormonal da mulher com SD em relação ao homem com SD também é algo importante, segundo foi ressaltado. A função cognitiva de mulheres com SD em pós-menopausa foi pior do que em homens com SD com idades similares, sugerindo que a redução da biodisponibilidade de hormônios estrogênicos possa influenciar a evolução do Alzheimer. Por essa razão, os autores da revisão pedem por pesquisas clínicas avaliando a reposição hormonal em mulheres com SD pós-menopausa, em comparação com a evolução do Alzheimer. Um fator bem interessante discutido na revisão, foi a característica epigenética da evolução do Alzheimer. Epigenética se refere às modificações que todo ser vivo promove em sua estrutura genética, tanto por alimentação, atividades físicas ou resposta ao ambiente que modifica a expressão natural dos genes. Estas modificações acontecem de várias maneiras, como modificação da compactação do DNA, inserções de estruturas nas bases nitrogenadas (ATCG) que promovem alteração da expressão genética, entre outras. Hoje, existem algumas digitais epigenéticas para várias idades. Tais digitais caracterizam-se como um relógio epigenético das várias idades do ser humano. As pessoas com SD, apresentam um relógio epigenético acelerado em relação à população em geral. Estas modificações epigenéticas têm um grande potencial terapêutico que pode ser utilizado para controle da formação de placas e inibição da evolução do Alzheimer. Tais possibilidades já foram apontadas em algumas revisões e merecem futuras pesquisas, pois são possibilidades ainda pouco exploradas.

A formação de agregados neurofibrilares, já discutido aqui no Comuna Diversa, é outro importante fator associado à demência de Alzheimer, principalmente em pessoas com SD, que possuem aumento da expressão dos genes DYRK1A e RCN1A, por se tratarem de genes alocados no cromossomo 21. Estes genes, quando triplicados (superexpressos), promovem a desorganização do citoesqueleto dos neurônios, formando agregados de proteínas Tau, similares às proteínas beta amiloides, causando morte neuronal. As pesquisas apontam muitos resultados promissores com uso de inibidores do gene DYRK1A, como o EGCG, que futuramente serão discutidos mais profundamente aqui no Comuna Diversa.

A neuroinflamação nas pessoas com SD é uma das origem da patologia do Alzheimer que ainda é pouco explorada. O cérebro de pessoas com SD parece ter um fenótipo único de neuroinflamação, que difere da população em geral, consistindo principalmente em inflamação pela invasão de proteínas séricas no cérebro. Esta invasão parece estar associada a micro derrames que ocorrem no cérebro e ao descontrole da reestruturação da barreira hematoencefálica (barreira que protege o cérebro). Alguns marcadores inflamatórios são sugeridos pelos autores da revisão, para avaliar o impacto da inflamação cerebral, como o TNF e interferon-, além do IL-6 e IL-10.

A revisão pontuou, também, o papel de outros importantes fatores para desenvolvimento do Alzheimer, como o dano oxidativo muito precoce na pessoa com SD, a diminuição de neurotransmissores, a desregulação sináptica e a super expressão de DYRK1A, além do encurtamento dos telômeros.

Por fim, a revisão apontou para os problemas associados à tireoide e à qualidade do sono. A tireoide influencia diretamente o controle da mielinização e a integridade da massa branca cerebral e os autores chamam atenção para o fato de que o hipotiroidismo afeta, em média, 70 % das pessoas com SD. Quanto à boa qualidade do sono, necessária para a depuração das proteínas beta amiloides cerebrais, se torna uma questão na SD porque a maioria das pessoas com T21, tanto por singularidades anatômicas da face, quanto por especificidades hormonais e neurotransmissoras, apresentam problemas com o sono.

Ainda há um caminho longo para trilhar nas pesquisas que envolvem Alzheimer e SD. Os testes clínicos de caracterização do Alzheimer precisam se adequar à pessoa com deficiência intelectual e a ciência precisa evoluir muito neste sentido. A mensagem positiva que a revisão passa, é que há muitas tecnologias e muitas pesquisas apontando para as medidas paliativas e amenizadoras do início do Alzheimer e que, assim como houve o aumento da expectativa de vida da população com T21, que hoje está próxima da média da grande população, as intervenções seguras para a cura do Alzheimer logo virão.

Figura – Placa amiloide em pessoa com SD. Placas Beta Amiloides (marcadas em marrom) e Emaranhados Neurofibrilares (marcados em azul com seta) no córtex pré-frontal de um homem de 46 anos com SD no estágio final da doença de Alzheimer.

Figura – Placa amiloide em pessoa com SD. Placas Beta Amiloides (marcadas em marrom) e Emaranhados Neurofibrilares (marcados em azul com seta) no córtex pré-frontal de um homem de 46 anos com SD no estágio final da doença de Alzheimer.

 
 
 

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