“Interseção entre gênero e deficiência, sexismo, misoginia e capacitismo”
- Laureane Costa
- 13 de dez. de 2018
- 2 min de leitura

“Ninguém vai te querer assim” “Sair com você dá muito trabalho” “Ainda não é hora de te apresentar para minha família” “Se pensar melhor, vai me agradecer por te querer” Imagine essas coisas sendo ditas a uma mulher com deficiência. Alguém poderia pensar (inclusive a própria mulher com deficiência) que tal violência psicológica constitui uma violência baseada na deficiência, ou seja, uma declaração de capacitismo (1). Ao conceber as agressões acima expressões capacitistas, apenas, potencializa-se a vulnerabilidade de mulheres com deficiência permanecerem em relacionamentos abusivos, uma vez que a própria mulher, a qual também é produto da cultura capacitista, pode formular a seguinte explicação: “ele me trata desse jeito porque sou deficiente, se fosse uma mulher normal não haveria entraves no nosso relacionamento”. É comum que as discussões sobre direitos das pessoas com deficiência adotem uma perspectiva de neutralidade de gênero. Ao excluir recorte de gênero dos debates sobre deficiência, negligencia-se o fato de que mulheres com deficiência estão mais vulneráveis que homens com deficiência a experienciar diferentes tipos de violência, concomitantemente, contribui para a manutenção da dupla vulnerabilidade das mulheres com deficiência. A violência psicológica exemplificada no início é, na verdade, composta por uma combinação de capacitismo e sexismo (2), é portanto uma violência baseada em gênero e deficiência. Aquelas frases não são ditas apenas às mulheres com deficiência. Ao reconhecer que o abuso emocional é fruto de atitudes sexistas e capacitistas, altera-se o modo de responsabilizar os envolvidos. Desta forma, a explicação “ele me trata desse jeito porque sou deficiente, se fosse uma mulher normal não haveria entraves no nosso relacionamento” pode dar espaço à explicação “ele me trata desse jeito porque não reconhece o meu valor, se não é capaz de me respeitar, não é capaz de respeitar ninguém”. Assim, começa a surgir a possibilidade de identificar um relacionamento abusivo e desprender-se do mesmo, uma vez que a mulher com deficiência compreende que suas características, entre elas a deficiência, não são responsáveis pela violência. Apenas articulando as discussões sobre deficiência com as discussões de gênero haverá promoção dos direitos das mulheres com deficiência e redução da vulnerabilidade de entrar e permanecer em relacionamentos abusivos. Entretanto, para que isso aconteça, o veemente discurso que infantiliza mulheres e homens com deficiência e os coloca como assexuados deve ser obliterado. Essa prosa fica para uma outra oportunidade. ________ 1. Capacitismo é crença de que pessoas com deficiência são incapazes de ser e de fazer qualquer coisa, sustenta-se na lógica da normalidade dos corpos e ignora a possibilidade da pessoa com deficiência desenvolver habilidades não relacionadas ao “não ver”, “não ouvir” ou “não andar”, desempenhando tarefas tão bem, ou até melhor, que uma pessoa sem deficiência. 2. Sexismo é a crença de que o gênero feminino é inferior ao masculino, acarretando a legitimação da dominação do primeiro pelo segundo, sustenta-se na estrutura patriarcal da sociedade.
Comments